O grupo de pesquisa e extensão Mobilang, que atua no apoio linguístico à população imigrante que chega ao Distrito Federal, firmou parceria com a Defensoria Pública da União (DPU) com o objetivo de criar um setor de tradução no órgão. Chamada Núcleo de Tradução (Nutrad), a unidade pretende melhorar a assistência jurídica prestada a brasileiros e a estrangeiros.
“Esta é a primeira vez que um órgão público brasileiro sente necessidade de institucionalizar um setor de tradução em decorrência do relacionamento com o cidadão”, ressalta Sabine Gorovitz, professora do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução (LET/IL) e líder do Mobilang. O projeto da UnB também é coordenado pelas docentes Suzana Martinez e Maria Carolina Calvo Capilla.
O acordo faz parte do guarda-chuva de ações que o Mobilang vem desenvolvendo desde 2007. A primeira cooperação foi com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), em 2017, para a constituição de banco de intérpretes formado por voluntários e bolsistas que atuam em entrevistas de solicitação de refúgio.
“É o DPU que defende direitos dos mais vulneráveis”, comenta Gorovitz. A defensoria oferece assistência jurídica e defende direitos negados à população, incluindo migrantes. A questão linguística, contudo, pode ser um entrave. Durante as entrevistas no Conare, por exemplo, a pessoa que solicita refúgio pode encontrar dificuldades por não dominar o português ou o servidor não ter fluência no idioma do imigrante. É aí que o Mobilang entra, fazendo a ponte.
Além de cadastrar intérpretes, o projeto de pesquisa e extensão também constitui bancos terminológicos multilíngues para auxiliar os imigrantes na comunicação inicial com entidades governamentais. Neles, são criadas bases de dados com vocabulário básico voltado para questões dos imigrantes de acordo com a realidade de instituições, como hospitais e escolas, por exemplo. No geral, os idiomas trabalhados são inglês, francês, espanhol e árabe.
Há também negociações de acordos futuros com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e Polícia Federal (PF), com os quais o Mobilang já realizou algumas oficinas em forma de seminário.
VISIBILIDADE – “Recebemos e-mails de lugares inimagináveis. Tem gente da Bolívia querendo se voluntariar. Recentemente, pessoal do Aeroporto de Guarulhos queria intérprete para atender refugiado que estava lá”, lembra Letícia Isidoro, uma das coordenadoras do banco de intérpretes do Mobilang.
Apesar de o projeto atender exclusivamente à região de Brasília, a estudante avalia que as investidas de outras localidades são positivas. “É bacana ver que a visibilidade do projeto está crescendo”, comenta. Letícia está no oitavo semestre do curso de Línguas Estrangeiras Aplicadas ao Multilinguismo e à Sociedade da Informação (LEA/MSI/IL).
Quando alguém se voluntaria, informa fluência, disponibilidade e o idioma que domina. O banco é renovado a cada semestre. No momento, o projeto conta com 53 voluntários. O atendimento varia de acordo com a disponibilidade de horário do intérprete. Geralmente, existem voluntários que falam as línguas majoritárias, como inglês, francês, espanhol, italiano e alemão. “Neste semestre, temos voluntário que domina o idioma minoritário lingala, que é falado no continente africano”, comenta Letícia.
Árabe é, em disparado, a língua mais solicitada, seguida de espanhol. A demanda pode ser explicada, em parte, pelas migrações de sírios, cubanos e venezuelanos para Brasília. Mandarim também tem busca relevante. Funcionando como idioma coringa, o inglês é bastante requisitado.
TERMOS ESPECÍFICOS – Estudante do nono semestre de LEA/MSI, Gustavo Roberto Gomes está no Mobilang desde 2017. Lá, ele coordena a produção do material terminológico. Ele atua no braço do projeto junto ao Conare e conta que um grande problema são os termos desconhecidos pelo próprio intérprete ou oficial de justiça.
Por isso mesmo, o estudante está trabalhando com material sobre refúgio e migração utilizando a linguística de corpus e a terminologia para encontrar e definir termos que são importantes aos migrantes e refugiados nos idiomas inglês, francês e espanhol. “A compilação e definição de termos relacionado ao tema é de extrema importância pois a comunicação na entrevista deve ser clara e precisa. É a única forma do governo brasileiro avaliar a situação do solicitante”, pondera.
GLOSSÁRIO – Anna Furtado, recém graduada em Línguas Estrangeiras Aplicadas (LEA/MSI), desenvolveu no trabalho de conclusão de curso (TCC) um glossário on-line para auxiliar intérpretes, tradutores e refugiados a ter acesso a terminologias e palavras que causam mais dúvida. A ideia veio da experiência no Mobilang, onde atuou na coordenação do banco desde o quarto semestre do curso.
Ao receber as avaliações dos intérpretes, Anna Furtado observou que muitos relataram ter dificuldade com terminologias e palavras técnicas da entrevista. Assim, o glossário propõe ser uma ajuda nesse momento. “Usamos uma metodologia e abordagem que enxerga a língua como sistema probabilístico para selecionar o texto que os refugiados usam normalmente na solicitação de refúgio, nos idiomas português, inglês, espanhol e francês”, conta.
Em versão protótipo, o glossário pode ser acessado na internet. Ao longo de seis meses, foram coletadas cinco milhões de palavras até chegar àquelas usadas e buscadas com maior frequência. Assim, o material oferece 150 entradas, que Anna planeja ampliar, como projeto de mestrado.
SERVIÇO – O grupo Mobilang está aberto para receber novos voluntários, que podem ser da Universidade ou da comunidade externa como um todo. Para mais informações, acesse o site ou mande e-mail para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..